quinta-feira, 15 de abril de 2010

Em que país ele vive ?

- Estão humilhando toda a nossa nação.

Essa foi a desculpa de Anderson, um garçom carioca que defende sua pátria quando há uma passeata ou qualquer tipo de mobilização contra estrangeiros que fazem comentários vistos como infelizes a respeito da terra por ele tão amada. Foi o que ele fez quando ‘Os Simpsons’ vieram ao Brasil e fizeram piadas mostrando seqüestros, famintos felizes no carnaval e apresentadoras de programas infantis mostradas como garotas de programa, e não seria diferente agora que o suposto comediante (não conseguia ver graça alguma nesse sobrinho de um tal de Sam) Robin Willians alegou que o Brasil, mais precisamente, o seu Rio de Janeiro, tornou-se sede das Olimpíadas porque levou 50 strippers e 500g de cocaína para concorrerem com Michele Obama e a Oprah, representantes de Chicago.

- Quem esse ator fracassado pensa ser para dizer isso sobre o meu país? Ainda mais ele, tantas vezes internado por ter problemas com cocaína.

- Será que não é justamente ai que está a graça? – respondeu Danilo, grande amigo de Anderson, que em contrapartida ao amigo, aceita todas essas brincadeiras e, na verdade, se diverte muito com elas.

- Claro que não, Dan. – retrucou rapidamente o amigo inconformado – Esse velho invejoso tá é bravinho, porque as Olimpíadas serão aqui. Bem feito pra ele. Da próxima vez, ele que leve drogas.

- Ah, eu sei que você não vai mudar de ideia mesmo, deixa. Mas então, hoje à noite, depois de condenar um comediante por fazer uma piada, se vai fazer o que? Processar um chef de cozinha por preparar o ‘prato do dia’?

- Nossa, que engraçado. Agora eu entendi porque você acha que o cara que fez o Peter Pan com 40 anos é um comediante. Mas respondendo a pergunta, eu vou ver tv, aquele programa cheio de mulher pelada...

- Ainda tá passando programas sobre o carnaval? – interrompeu Danilo, em um tom sarcástico.

- Não, seu trouxa. Eu to falando do programa de comédia que passa de sábado à noite, com várias esquetes, com mulher quase pelada, o zelador faz tudo, essas coisas.

- Nossa, And, se mata. Não acredito que você chama isso de comédia. Você só gosta porque te faz parecer mais inteligente perto dos personagens idiotas, porém mais idiota ainda é quem vê, toda semana, um programa que tem sempre as mesmas pessoas, que se metem em situações praticamente iguais para que, no fim, repitam o mesmo bordão estúpido, que é óbvio, desde o primeiro instante de programa, em que momento será dito. Cara, ‘cê assiste os primeiros cinco segundos de cada cena e já sabe tudo que vai acontecer, afinal a “graça” tá numa frase que você já sabe qualé! Se liga.

- Ah, Danilo, nem vem com essas suas conversas, tá? Se isso não é comédia, o que é? Ouvir um estrangeiro falando mal do nosso povo?

- Falando mal, ou falando a verdade? O que acontece é que você tem medo da verdade, o que é mais conveniente do que resolver os problemas da sociedade. Também, o que incomoda vocês são os problemas alheios, e sim o que os outros falam sobre isso, né? Mas vou te falar uma coisa: se você se importa tanto com o que ele diz, fica feliz porque ele não comentou que os turistas não devem comemorar se não forem roubados pelo taxista, pois o serão no calçadão; que mesmo as Olimpíadas acontecendo aqui, muitas crianças não poderão curtir, pois estarão se prostituindo. Você e essa galera toda que tá querendo processar o Robin não fazem nada quando esses problemas tão na fuça de vocês, mas não gostam quando um gringo faz piada por ai, né? Piada mesmo é se importar mais com o que um comediante fala do que com o que o político que você vota faz.

A cada palavra que ouvia, mais transtornado Anderson ficava, sem se quer conseguir interromper o amigo que falava todas aquelas atrocidades contra o querido povo brasileiro. Ao fim do discurso, usando todas as suas forças restantes, finalmente se recompôs e repreendeu o argumentador:

- Ei, qual é? Tá do lado dos comedores de hambúrguer?

- Dan, você é garçom, passa o dia todo servindo hambúrgueres para brasileiros! – responde inconformado – Olha, quando você for criar um estereótipo negativo contra um povo, presta atenção pra ver se não se encaixa nele, vacilão.

Essa foi a gota d’água. Já estava cansado de ouvir o amigo descriminando suas atitudes em prol da nação, não aceitaria que Danilo defendesse os estadunidenses nessa batalha contra o Brasil. Nervoso, ele disse enquanto virava as costas ao seu ouvinte:

- Beleza então, seu americano, depois a gente se fala.

A resposta recebida aumentou sua ira:

- Sou americano mesmo. Nasci no Brasil, que pelo que eu sei, fica na América.Revoltado, entrou no seu carro. No caminho para casa, Anderson manteve os vidros do carro fechados, preocupado com um homem estranho vagando pela rua. Para sua sorte, o mesmo não vinha em direção ao seu carro, e sim a um grupo de mulheres pouco vestidas na calçada. Mais adiante, apesar do dia estar no fim e ser possível ver algumas estrelas no céu, haviam ainda crianças abordando veículos. Contudo esses pobres jovens que tentavam trocar sua infância por moedas, futuramente substituídas por drogas, passaram completamente despercebidas pelos olhos do motorista do Celta prata, indiferente às poças remanescentes na rua, lembranças de uma cidade a submersa pela chuva. O que ocupava a mente do motorista ainda era a incoerência do que a pouco discutia com ele. Até que um sorriso inconformado surgiu, e os mais atentos puderam ler em seus lábios a frase: ‘Em que pais ele vive?’


Crônica realizada para a matéria 'Técnica de Redação', minha opinião sobre o assunto anteriormente abordado foi diretamente transformada pelo mestre Danilo Gentili ;)

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