Toda segunda-feira eu vou para a reunião do Quarto Mundo na USP, isso é normal. Porém o fato de eu sair de casa com esse destino não garante a normalidade do meu dia.
O grande ocorrido foi segunda-feira passada, dia 16. Uma única mudança prevista: eu sairia de casa mais cedo, pois uma pré-entrevista com o Novaes [um dos entrevistados no nosso primeiro programa, que será sobre ‘humor crítico’] estava marcada para ‘entre 12:30 e 14 horas’. Um trabalho da faculdade, porém, fez com que eu saísse um pouco depois do esperado, entretanto esse atraso não me impediria de chegar ao meu destino às 13 horas.
Sendo assim, acordei, fiz o trabalho, almocei em frente ao computador [atitude que eu reprovo] e sai de casa. Andei até o ponto, logo peguei meu ônibus e me sentei: banco mais alto, lugar do corredor enquanto o da janela permanecia vazio. Logo o ocupei com minha mochila. Minha única preocupação era em observar as ruas, minha única distração era a música, visto que, pela primeira vez, optei por ir à USP sem twittar pelo celular.
De repente, uma menina aconselha uma mulher a se sentar no lugar ao meu lado, o único disponível no ônibus naquele momento. Com dificuldade e minha ajuda, ela subiu o degrau e sentou-se, os olhos cheios d’água. Perguntei o que ela tinha. ‘Cólica’. Tirei os fones de ouvido, na expectativa de uma conversa. Silêncio ocasionalmente cortado por gemidos de dor da parte dela. Mais uma tentativa frustrada de iniciar um diálogo foi minha pergunta sobre um eventual remédio que ela pudesse tomar, mas infelizmente ela afirmou com firmeza que precisava tomar algo na veia para livrar-se da dor. O silêncio voltou ao seu posto, e o mesmo aconteceu com meus fones, mas a preocupação permanecia em meus olhos, que insistiam em fitar a mulher na tentativa de pensar em um modo de ajudá-la.
Ela falava no telefone, a Cidade Universitária se aproximava, e eu me conformava com a ideia de que não ajudaria. Ela me perguntou se a USP ainda estava muito longe, mas para seu alívio, avisei que após o próximo ponto, chegaríamos na mesma. A conversa findaria-se por ai, mas não resisti à uma última tentativa de diálogo:
- Você vai pro hospital?
- Sim, na Cidade Universitária.
- Ah... quer que eu vá pra lá com você? – perguntei, despretensiosamente, certa de que a resposta seria não. Para meu espanto, minha companhia foi aceita, como se fosse um peso tirado das costas doloridas de minha nova protegida. Numa tentativa pouco eficiente de tranqüilizá-la, disse:
- Certo... só preciso descobrir como chegar lá!
Perguntei ao cobrador, que me orientou a descer no próximo ponto e pegar um dos dois ônibus cujos números ele me disse. Evidentemente nem eu e muito menos a futura paciente decoramos os números, e fui obrigada a parar todos os ônibus e perguntar ao motorista se ele passaria pelo hospital. Recebi uma resposta positiva do terceiro indagado, e embarcamos.
No hospital, de chegada relativamente fácil a partir do ponto, recebemos diversas informações e orientações, eu assinei um papel garantindo ser a acompanhante, mas não soube nem ao menos dizer que o nome dela era Zenilda quando precisaram do nome completo da paciente para procurar o ficha pré-existente no local.
Depois de caminhadas, dor, espera e vômito, acabei por ver alguém tomando Buscopan na veia, fato que eu já havia descrito, apesar de não acreditar que seria possível e, ignorando meu atraso [já avisado], eu permanecia ali, mesmo tendo recebido “despensa” da minha nova amiga, que compreendeu que eu tinha compromissos e precisava ir embora. Precisava, mas não podia. Ao menos não enquanto o verdadeiro acompanhante não chegasse com os documentos da moça que teve a segunda crise de cólica renal em menos de um mês e precisou abandonar o trabalho rumo ao hospital, sozinha e chorando de dor, totalmente vulnerável, e que aproveitava o alívio proporcionado pelo líquido recebido através da agulha que permanecia em seu braço para contar a uma desconhecida, cuja mão ela apertou fortemente nos momentos de dor mais aguda, o que se sucedera naquele dia.
O acompanhante aproximava-se, apenas não sabia como chegar à sala de espera correta e, sendo assim, fomos procurá-lo na entrada do hospital, local onde aconteceu a despedida, com um longo abraço apertado, ela me agradecendo, eu certa de que não fiz mais do que minha obrigação. Fui pro ponto de ônibus sentindo uma mistura de ‘dever cumprido’ com tranqüilidade em saber que a Zenilda ficaria bem e, confesso, orgulho por ter feito algo tão legal.
Depois de uma história tão longa, a passagem do Circular 2, ônibus pelo qual eu esperava, perde totalmente o seu brilho. Para não contá-la de forma extremamente sucinta, reservo-lhe uma postagem exclusiva.